30 May 2006

Agora acabou, juro, estou sendo expulsa.
Boteco, vodéga, logo ali.
Ah sim, dia dos namorados está perto né?
o fato de não ter televisão em casa ajuda a esquecer esses detalhes, mas infelizmente as pessoas espalham spams pela internet e eu lembro que só tive um dia dos namorados em toda minha vidinha. Não que eu só tenha namorado uma única pessoa, e muito menos que nunca estivesse namorando nesse dia. Mas acontece que ninguém nunca me mimou o bastante para que eu sentisse esse dia. Fútil? Com certeza. Mas são as pequenas coisinhas que fazem A diferença.
Então agradeceria se alguém fingisse ser meu namorado e me convidasse para sair, nem que fosse ali no cachorro quente do seu Zé.

Putz, acabei de reparar que minha dor-de-cotovelo aguda está sendo potencializada pela minha tpm-du-mau.

Sedativos, homens de branco, a camisa por favor.
a verdade é que continuo com dor de cotovelo.
e que preciso urgentemente de alguma coisa.
quando eu decidir voltar pra casa paro num botequinho e bebo.
esses post pequenininho dão no saco, mas não tenho nada melhor pra fazer, e não quero ir pra casa aguentar aqueles três.
*suspiro*
então continuo.
X
Sabe o que é? Lembrei desse textinho do Neil Gaiman, que acho foda demais.

Amor... Você já amou? Horrível, não? Você fica tão vulnerável. O peito se abre e o coração também. Desse jeito qualquer um pode entrar e bagunçar tudo. Você ergue todas essas defesas. Constrói essa armadura inteira, durante anos, pra que nada possa te causar mal. Aí, uma pessoa idiota, igualzinha a qualquer outra, entra em sua vida idiota. Você dá a essa pessoa um pedaço seu. E ela nem pediu. Um dia, ela faz alguma coisa idiota como beijar você ou sorrir e, de repente, sua vida não lhe pertence mais. O amor faz reféns. Ele entra em você. Devora tudo que é seu e te deixa chorando no escuro. Por isso, uma simples frase como "talvez a gente devesse ser apenas amigos" ou "muito perspicaz" vira estilhaços de vidro rasgando seu coração. Dói. Não só na imaginação ou na mente. É uma dor na alma, no corpo, uma verdadeira dor que entra-em-você-e-destroça-por-dentro. Nada devia ser assim. Principalmente amor. Odeio amor.
sabe o que é?
cansei de reclamar.
agora é olho por olho, dente por dente.

29 May 2006

O jogo é: "Durma na minha cama e o amanhã não nos pertence".

- "me apaixono todo dia, e é sempre a pessoa errada."
- "eu gosto de você também."
- quero te sequestrar, quero você num universo paralelo, porque não somos para esse mundo, juntos.
- por que?
- porque você quando disse que me amava achou que eu estava dormindo, para agora dizer que não gosta mais de mim, enquanto ainda estou acordada.
- isso te machuca tanto assim?
- sim, porque assim me vejo obrigada a ir de encontro ao que não quero: os outros...


Era um mundo do qual eu nunca faria parte; olhava as mulheres entrando e saindo – O que é preciso para entrar? Talvez elas fossem realmente diferentes de mim: cheias de grandeza e sensibilidade. Precisava me reencontrar fora da margem – fora daquelas mulheres que transpiravam degradação interna. A resposta está na distância; e no silêncio repleto de mim. Fui tão rasa procurando respostas nas pessoas – nele. Estou certa de que ninguém saberia me dizer por quê. Queria chegar ao ponto em que as perguntas não mais significassem dor – mais fundo.
Só compreenderia minha existência plena quando chegasse ao fundo – de mim; e não dele. Hoje caminho para dentro do único mundo que me foi oferecido – o meu.
Estou certa de que ninguém saberia me dizer por quê. Queria chegar ao ponto em que as perguntas não mais significassem dor; mas o desafio da busca.
Tanto tempo sem sair de casa; redescobria a cidade e suas ruas cobertas de amarelo; seus prédios retos demais; suas curvas fechadas num único grito. O passo, ainda que desacertado, se tornava mais rápido a cada pensamento; temia que as idéias me escapassem antes de atingirem os ouvidos dele:
– Quero me desesperar no seu silêncio.

25 May 2006

Para não dizer que perdi tempo:
ainda há tempo.
Não, não vou mais prender, vou deixar as rédeas soltas como sempre fiz.
Só os fracos tem medo.
Principalmente de se apaixonar.

22 May 2006

Fuck And Run
Liz Phair


I woke up alarmed
I didn't know where I was at first
Just that I woke up in your arms
And almost immediately I felt sorry
'Cause I didn't think this would happen again
No matter what I could do or say
Just that I didn't think this would happen again
With or without my best intentions
And whatever happened to a boyfriend
The kind of guy who tries to win you over?
And whatever happened to a boyfriend
The kind of guy who makes love 'cause he's in it?

And I want a boyfriend
I want a boyfriend
I want all that boring old shit like letters and sodas
Letters and sodas

You got up out of bed
You said you had a lot of work to do
But I heard the rest in your head
And almost immediately I felt sorry
'Cause I didn't think this would happen again
No matter what I could do or say
Just that I didn't think this would happen again
With or without my best intentions

And I want a boyfriend
I want a boyfriend
I want all that stupid old shit like letters and sodas

And I can feel it in my bones
I'm gonna spend another year alone
It's fuck and run, fuck and run
Even when I was seventeen
Fuck and run, fuck and run
Even when I was twelve

And I can feel it in my bones
I'm gonna spend my whole life alone
It's fuck and run, fuck and run
Even when I was seventeen
Fuck and run, fuck and run
Even when I was twelve

You almost felt bad
You said that I should call you up
But I knew much better than that
And almost immediately you felt sorry
'Cause you didn't think this would happen again
No matter what you could do or say
Just that you didn't think this would happen again
Without or without your best intentions

And whatever happened to a girlfriend
The kind of chick who tries to win you over?
And whatever happened to a girlfriend
The kind of chick who makes love 'cause she's in it?

And you want a girlfriend
You want a girlfriend
You want all that boring old shit like letters and sodas
Letters and sodas
Letters and sodas
Letters and sodas

19 May 2006

abra um corte de uns 30 cms
bem no meio das duas costelas
separando-as como se estivesse abrindo
a boca de uma vaca

vai sangrar muito, mas...
corte as veias e aortas conectadas ao orgão
e enfie as duas mãos em forma de concha
arrancando-o do peito
não se surpreenda se ele continuar pulsando nas suas mãos:
meu coração é forte e teimoso

lave-o em água corrente
até que perca a temperatura
a seguir coloque-o num prato
e meta-o no congelador por umas 4 horas seguidas
na temperatura mais abaixo de zero que a geladeira aguentar
meta o dedo e veja se está bem duro
se ainda estiver meio mole bata a tampa do congelador com força
e deixe o desgraçado lá dentro por mais duas horas

mantenha a calma: meu coração não é fácil

agora sim abra a porta do congelador
e retire-o sem muito cuidado
deverá estar bem duro
e morto meio azulado
talvez atire-o dentro da pia
para que caia o excesso de gelo
pegue uma faca grande
ou um machado
e retalhe-o sobre um tabuleiro de madeira
não se espante se for difícil:
meu coração é duro como uma pedra

cuidado para não se cortar...

18 May 2006

Não dá para saber ao certo o quanto só enxergam de mim a superfície; não dá para gritar quando tenho medo de te acordar e te fazer ver que não é nada disso: são apenas borboletas azui, elas voltaram, elas me carregaram até você, e depois me deixaram. Borboletas vivem apenas um dia, um único e derradeiro momento, para perpetuarem sua espécie, deixar seu rastro. Assim como eu. O tempo não se conta por relógios que fazem tic-tac, que colam nos pulsos, que nos fazem dizer adeus o tempo todo.
Adeus.
E sim pelo que é significativo: vivo duas vezes. Uma num passado que não passou, porque o imortalizo dentro de mim, em meu universo paralelo, outra quando escrevo o que sinto mas que nem vivi.

Nunca toque nas asas de uma borboleta, principalmente das azuis, que em épocas como essa costumam esvoaçar na altura do estômago, ou elas não poderam voar novamente. Sou uma dessas borboletas violadas.

É veneno isso que corre em minhas veias, esses pensamentos que são por demais sombrios. O mundo me ensinou a ser distante, a ter medo, a ser fria, triste diante do que sinto, até quando é feliz.
Desde que cheguei esse topor me consome, uma ausência enevoada, desgosto por tudo, por todos, falta de apego: um vazio com um nome de batismo.

Novamente a vida retrocedendo. Dividida, fragmentada pela realidade opressiva, as cobranças sem sentido, a beleza do simples: um amor que não quis dar nome, deixei-o orfão onde encontrei.

Um truque, porque em tão pouco tempo eu o tive em meus braços, eu tive o veneno da sua saliva, me desdobrava em desejo, e continha o abstrato. Sintetizava a ilusão, mordiscava-lhe o pescoço, escondia minhas mãos. Essa é a súperficie, isso é o que o mundo pede de mim, e sem saber por que, eu ofereço a ele, você. Abstraio-me, entrego-me, iludo-te, uma relação quase de sangue, que atrofia na ardência dos teus beijos.

Desconfio de ti o tempo todo, porque nos teus olhos posso ver que és insondável: não tem fundo, não tem cor, hipnotiza e desvia. Causa as maiores, e piores, confusões e pertubações em mim, efeitos fisiológicos, psicológicos, paranormais. Enquanto tento achar onde realmente você está, debaixo das camadas que criou, costurou, cuspiu. É quase desesperador, mas tão excitante, delirante, sufocante. Odeio a mornidão, a normalidade

17 May 2006

Pequenas incursões pseudo-filosóficas de cunho sentimentalóide
[o que é a paixão senão um estado de espirito onde nos encontramos completamente indefesos e bobos, e que mesmo assim sempre procuramos...]

Pode parecer que só sei falar disso [e realmente seja verdade], mas faz falta a segurança de ter alguém para chamar de "seu". Aquela coisa de fazer falta as coisas mais definitivas e fixas na vida.

Por mais que tenhamos aquele discurso "pós-moderno" e "tribalista" de "não ser de ninguém e ser de todo mundo"... realmente, aquela sensação de acordar pela manhã com alguém de confiança ao lado faz falta um pouco. Nem sempre é 'divertido' (se é que posso usar essa palavra) ser totalmente desvinculado de outra pessoa. Às vezes, o que a gente quer é um pouco de compromisso mesmo. Nem sempre Álvares de Azevedo é divertido, por mais noites e mais tavernas que existam. Senti isso quando vi aquele casal discutindo, para depois se olharem, se beijarem e rirem da situação tão boba. Ou aquele casal tão apaixonado, que se conheceram pela internet, e que em cada canto deixam provas do seu estado, mesmo tendo milhares de quilômetros os separando, os planos, as viagens, as contagens regressivas. Senti isso quando não quis dizer nem adeus, nem um mísero "tchau", quando simplesmente voltei. Fica um pouco daquela sensação de vazio, como se realmente algo estivesse faltando. Mas não é nesse nível que as coisas acontecem.

Às vezes acordo de manhã, para ir trabalhar, lembrando da época em que eu acordava com outra pessoa. Aquela vida normal e tranqüila, que muitas vezes vemos com desdém. Mas que contém minutos de delícias que nem se comparam à melhor vodka, à melhor noite com os amigos, às mais belas poesias, às mais gostosas noites fazendo amor com pessoas usuais. Aquela coisa pequena de ter algum corpo morno e confiável pra ficar agarrado de manhã cedo, enquanto ainda sobram uns minutos a mais pra evantar. Tomar café junto. Namorar no gramado. Andar de mãos dadas, sabendo que a próxima despedida não será a última. Fazer planos. Um telefonema durante o expediente só pra dizer "eu te amo" e aquelas outras coisas melosas que às vezes mudam o nosso dia inteiro da água pro vinho. Sei lá, jogar espuma de barbear na pessoa quando ela acabou de sair do banho, e não ganhar uma porrada, mas um beijo e um sorriso... coisas pequenas que acontecem nos cotidianos comuns.

Mas a gente não acha isso em qualquer esquina, não encontra isso em qualquer pessoa. As variáveis são tantas que quase parece impossível. As diferenças, a paixão, a reciprocidade. Aí é simplesmente mais fácil fingir que nada disso faz diferença, que faz falta. É que, talvez, tenha tocado em algo profundo, que eu queria manter anestesiado, mas que é uma necessidade inerente a todos nós.
I wanna write your name on my skin telling the world that I'm yours.

A solidão fica melhor envolta em um edredom. Dessa forma, é preciso cuidado para não se convencer de que na verdade ela é um lindo garoto numa noite ruim. E as histórias de que ter febre é muito gostoso... ele vai concordar, e depois se virar para o lado da parede e te esquecer pelo resto da noite.

Devemos ficar quietos, imóveis e silenciosos se não quisermos que ninguém nos ache.
Eu o chamo de volta para dentro do cobertor. As janelas do meu quarto têm frestas vedadas. Mas o frio sempre consegue entrar. E ele não pode me proteger.

Um dia eu fui o vento frio que entrava pelas frestas da janela, e então eu me vi dentro do quarto. As janelas vedadas não me deixavam sair.

15 May 2006

Pânico
estou morrendo de medo.
muito mesmo.
com esses ataques do PCC, e hoje eles metralharam perto de onde moro.
nunca pensei em passar por isso, me sinto num filme.

12 May 2006

On me dit que nos vies ne valent pas grand chose,
Elles passent en un instant comme fanent les roses.
On me dit que le temps qui glisse est un salaud
Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux
Pourtant quelqu'un m'a dit...

Que tu m'aimais encore,
quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serais ce possible alors ?

On me dit que le destin se moque bien de nous
Qu'il ne nous donne rien et qu'il nous promet tout
Parait qu'le bonheur est à portée de main,
Alors on tend la main et on se retrouve fou
Pourtant quelqu'un m'a dit ...

Que tu m'aimais encore,
quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serais ce possible alors ?

Mais qui est ce qui m'a dit que toujours tu m'aimais?
Je ne me souviens plus c'était tard dans la nuit,
J'entend encore la voix, mais je ne vois plus les traits
"il vous aime, c'est secret, lui dites pas que j'vous l'ai dit"
Tu vois quelqu'un m'a dit...

tu m'aimais encore, me l'a t'on vraiment dit...
Que tu m'aimais encore, serais ce possible alors ?

On me dit que nos vies ne valent pas grand chose,
Elles passent en un instant comme fanent les roses
On me dit que le temps qui glisse est un salaud
Que de nos tristesses il s'en fait des manteaux,
Pourtant quelqu'un m'a dit que...

Que tu m'aimais encore,
quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serais ce possible alors ?

11 May 2006

Dorme comigo, segura minha mão. Eu quero que você me leve embora contigo. Meu corpo não quer descansar sem o teu por perto.

Quero incendiar teu desejo, quero sentir a cor da sua pele, te decorar até mesmo pelo avesso. Sentir no frio todo seu calor.

Deita ao meu lado e vamos ver a lua nascer vermelha, tua mão debaixo da minha blusa.
Vamos tirar as fantasias e dançar nus na chuva?

Quero serpentear pela extensão da tua pele e desvendar seus segredos, adorar teus defeitos e arranhar teu peito até conseguir alcançar seu coração.

Quero nós dois juntos, esquecer do mundo nos teus braços, gritar teu nome com veemência e prazer.
Não existem limites e nem distância que me sacie a fome de ti, do teu cheiro e teu gosto.

Quero me sentir completamente tua, lá dentro e bem fundo onde ninguém mais pisou.
Quero me temperar na noite gelada com teu suor e dormir sorrindo, sonhando com a realidade.

Uma comunhão pecaminosa, libertina, sem demoras ou remorsos, que a memória não apaga, o corpo não esquece e sempre pede mais, mais e mais.

Me deixa fazer da sua cama nosso refúgio.

09 May 2006

Timidamente toquei tua pele e pressionei-a com meus lábios. Esta foi a despedida que sua espinha lembra. Aquele beijo de boa noite, que foi o último sonho, antes das memórias se transformarem em imaginação... Como sempre, não estava lá, mas o rastro foi visto à sombra do quarto vazio. Dois passos, para nunca mais. Todo conto de fadas termina com um beijo. Os lábios selam um passado inacabado, para as línguas molhadas e os saltos quebrados. Mero receio.

08 May 2006

Um beijo. Apenas um beijo.
Gostoso, afetuoso, molhado, sedutor, quente, úmido, apaixonado, enfim, um beijo. Daqueles feito tiros, calando a boca, arranhando, mordendo.
Um beijo, com amor ou sem.
Era tudo o que ela mais queria naquela noite de lua e de estrela.

E enquanto tomava sua bebida do e olhava para o céu, ela pôde perceber como mesmo esfumaçado, barulhento, caótico, estúpido, aquele lugar era acolhedor. Acolhedor como as mãos daquele cara que ela não tinha.

A cidade não descansava debaixo do seu olhar severo e magoado. As buzinas gritavam por amores urgentes, amores perdidos, amores carentes, amores desfeitos, amores satisfeitos, por amores inexistentes, por amores, apenas por amores e ela sorriu ao perceber que ninguém entendia o mesmo.

Poucos têm este dom – ela pensou – O dom divino e maravilhoso de perceber o amor.

E ela lembrou do sorriso lindo e charmoso daquele menino que havia lhe dado tchau.

Ao invés de chorar, ela sorriu.

Coisas da noites.

Coisas de noites de meninos lindos.

Coisas de quem nunca sabe qual é o momento certo...

04 May 2006

O Dia que Júpiter Encontrou Saturno
Caio Fernando Abreu

"Foi a primeira pessoa que viu quando entrou. Tão bonito que ela baixou os olhos, sem querer querendo que ele também a tivesse visto. Deram-lhe um copo de plástico com vodka, gelo e uma casquinha de limão. Ela triturou a casquinha entre os dentes, mexendo o gelo com a ponta do indicador, sem beber. Com a movimentação dos outros, levantando o tempo todo para dançar rocks barulhentos ou afundar nos quartos onde rolavam carreiras e baseados, devagarinho conquistou uma cadeira de junco junto a janela. A noite clara lá fora estendida sobre Henrique Schaumann, a avenida poncho & conga, riu sozinha. Ria sozinha quase o tempo todo, uma moça magra querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz. Molhou os lábios na vodka tomando coragem de olhar para ele, um moço queimado de sol e calças brancas com a barra descosturada. Baixou outra vez os olhos, embora morena também, e suspirou soltando os ombros, coluna amoldando-se ao junco da cadeira. Só porque era sábado e não ficaria, desta vez não, parada entre o som, a televisão e o livro, atenta ao telefone silencioso. Sorriu olhando em volta, muito bem, parabéns, aqui estamos.

Não que estivesse triste, só não sentia mais nada.

Levemente, para não chamar atenção de ninguém, girou o busto sobre a cintura, apoiando o cotovelo direito sobre o peitoril da janela. Debruçou o rosto na palma da mão, os cabelos lisos caíram sobre o rosto. para afastá-los, ela levantou a cabeça, e então viu o céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Júpiter e Saturno muito próximos. Vista assim parecia não uma moça vivendo, mas pintada em aqualrela, estatizada feito estivesse muito calma, e até estava, só não sentia mais nada, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava nenhum risco parada assim, meio remota, o moço das calças brancas veio se aproximando sem que ela percebesse.

Parado ao lado dela, vistos de dentro, os dois pintados em aquarela - mas vistos de fora, das janelas dos carros procurand bares na avenida, sombras chinesas recortadas contra a luz vermelha.

E de repente o rock barulhento parou e a voz de John Lennon cantou every day, every way is getting better and better. Na cabeça dela soaram cinco tiros. Os olhos subitamente endurecidos da moça voltaram-se para dentro, esbarrando nos olhos subitamente endurecidos dos moço. As memórias que cada um guardava, e eram tantas, transpareceram tão nitidamente nos olhos que ela imediatamente entendeu quando ele a tocou no ombro.

-Você gosta de estrelas?
-Gosto. Você também?
-Também. Você está olhando a lua?
-Quase cheia. Em Virgem.
-Amanhã faz conjunção com Júpiter.
-Com Saturno também.
-Isso é bom?
-Eu não sei. Deve ser.
-É sim. Bom encontrar você.
-Também acho.

(Silêncio)

-Você gosta de Júpiter?
-Gosto. Na verdade desejaria viver em Júpiter onde as almas são puras e a transa é outra.
-Que é isso?
-Um poema de um menino que vai morrer.
-Como é que você sabe?
-Em fevereiro, ele vai se matar em fevereiro.

(Silêncio)

-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

(Silêncio)

-Como é que você sabe?
-O quê?
-Que o menino vai se matar.
-Sei de muitas coisas. Algumas nem aconteceram ainda.
-Eu não sei nada.
-Te ensino a saber, não a sentir. Não sinto nada, já faz tempo.
-Eu só sinto, mas não sei o que sinto. Quando sei, não compreendo.
-Ninguém compreende.
-Às vezes sim. Eu te ensino.
-Difícil, morri em dezembro. Com cinco tiros nas costas. Você também.
-Também, depois saí do corpo. Você já saiu do corpo?

(Silêncio)

-Você tomou alguma coisa?
-O quê?
-Cocaína, morfina, codeína, mescalina, heroína, estenamina, psilocibina, metedrina.
-Não tomei nada. Não tomo mais nada.
-Nem eu. Já tomei tudo.
-Tudo?
-Cogumelos têm parte com o diabo.
-O ópio aperfeiçoa o real
-Agora quero ficar limpa. De corpo, de alma. Não quero sair do corpo.

(Silêncio)

-Acho que estou voltando. Usava saias coloridas, flores nos cabelos.
-Minha trança chegava até a cintura. As pulseiras cobriam os braços.
-Alguma coisa se perdeu.
-Onde fomos? Onde ficamos?
-Alguma coisa se encontrou.
-E aqueles guizos?
-E aquelas fitas?
-O sol já foi embora.
-A estrada escureceu.
-Mas navegamos.
-Sim. Onde está o Norte?
-Localiza o Cruzeiro do Sul. Depois caminha na direção oposta.

(Silêncio)

-Você é de Capricórnio?
-Sou. E você, de peixes?
-Sou. Eu sabia.
-Eu sabia também.
-Combinamos: terra.
-Sim. Combinamos.

(Silêncio)

-Amanhã vou embora para Paris.
-Amanhã vou embora para Natal.
-Eu te mando um cartão de lá.
-Eu te mando um cartão de lá.
-No meu cartão vai ter uma pedra suspensa sobre o mar.
-No meu não vai ter pedra, só mar. E uma palmeira debruçada.

(Silêncio)

-Vou tomar chá de ayahuasca e ver você egípcia. Parada do meu lado, olhando de perfil.
-Vou tomar chá de datura e ver você tuaregue. Perdido no deserto, ofuscado pelo sol.
-Vamos nos ver?
-No teu chá. No meu chá.

(Silêncio)

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
-Vou te escrever carta e não te mandar.
-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
-Vou ver Saturno e me lembrar de você.
-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
-O tempo não existe.
-O tempo existe, sim, e devora.
-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.

(Silêncio)

-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando 'Kiss, kiss, kiss'. Por que você não me convida para dormirmos juntos.
-Você quer dormir comigo?
-Não.
-Porque não é preciso?
-Porque não é preciso.

(Silêncio)
-Me beija.
-Te beijo.

Foi a última pessoa que viu ao sair. Tão bonita que ele baixou os olhos, sem saber sabendo que ela também o tinha visto. Desceu pelo elevador, a chave do carro na mão. Rodou a chave entre os dedos, depois mordeu leve a ponta metálica, amarga. Os olhos fixos nos andares que passavam, sem prestar atenção nos outros que assoavam narizes ou pingavam colírios. Devagarinho, conquistou o espaço junto à porta. Os ruídos coados de festas e comandos da madrugada nos outros apartamentos, festas pelas frestas, riu sozinho. Ria sozinho quase sempre, um moço queimado de sol, com a barra branca das calças descosturadas, querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz.

Mordeu a unha junto com a chave, lembrando dela, uma moça magra de cabelos lisos junto à janela. Baixou outra vez os olhos, embora magro também. E suspirou soltando os ombros, pés inseguros comprimindo o piso instável do elevador. Só porque era sábado, porque estava indo embora, porque as malas restavam sem fazer e o telefone tocava sem parar. Sorriu olhando em volta.

Não que estivesse triste, só não compreendia o que estava sentindo.

Levemente, para não chamar a atenção de ninguém, apertou os dedos da mão direita na porta aberta do elevador e atravessou o saguão delado, saindo para a rua. Apoioiu-se no poste da esquina, o vento esvoaçando os cabelos, e para evitá-lo ele então levantou a cabeça e viu o céu. Um céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Júpiter e Saturno muito próximos. Visto assim parecia não um moço vivendo, mas pintado num óleo de Gregório Gruber, tão nítido estava ressaltado contra o fundo da avenida, e assim estava, mas sem compreender, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava nenhum risco, a moça debruçou-sena janela lá em cima e gritou alguma coisa que ele não chegou a ouvir. Parado longe dela, a moça visível apenas da cintura para cima parecia um fantoche de luva, manipulado por alguém escondido, o moço no poste agitando a cabeça, uma marionete de fios, manipulada por alguém escondido.

De repente um carro freou atrás dele, o rádio gritando 'se Deus quiser, um dia acabo voando'. Na cabeça dele soaram cinco tiros. De onde estava, não conseguiria ver os olhos da moça. De onde estava, a moça não conseguiria ver os olhos dele. Mas as memórias de cada um eram tantas que ela imediatamente entendeu e aceitou, desaparecendo da janela no exato instante em que ele atravessou a avenida sem olhar para trás."

03 May 2006

Across the universe


Vejo no meu corpo uma espécie de transparência, um vácuo semi-cheio de algo que não sei bem o que é. Sinto um terror quando essa substância se perde em algo que também não sei explicar. Pode ser feito de algodão ou de enxofre, isso que me faz sentir triste, ou feliz, ou tudo ao mesmo tempo. As variações são maiores que os laços e os nós das árvores.
Eu sou uma coisa intrincada, misturada, confusa.
Não sou forte como machado que carrego nas costas. Se bem que nem mesmo usar um machado, ele deve saber melhor que eu. Sirvo de ignorante para me entender melhor. É preciso dizer, escrever de alguma forma, se não, folha branca, zero. Deixei-me levar pelo arrastão de pensamentos, pela grafia torta, pelo música.
Nós, eu e você somos o mundo. Mundo de tantas coisas, de repente o universo somos todos nós. Alguém já conseguiu juntar tudo que sabe de si? Alguém já viu todo o universo? Somos nós o mínimo e o máximo. É uma loucura isso tudo, não me dê ouvidos, mas por favor não ignore o pensamento. O Pensamento não segue uma linha reta, pelo menos o meu. Ele percorre algumas pistas dos mais diferentes trajetos. Isso tudo nunca estaria numa peça publicitária, tudo bem, cartesianos de plantão. Foda-se. Se querem sentido vão se olhar no espelho. Tem coisa mais comum que a própria cara? Quem não conhece a própria cara tão bem quanto qualquer um. Sinta-se a vontade , pois agora tudo vai começar a fazer mais sentido para você. E eu não acabarei esta noite em seus braços. É o fim.

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"... Observei-a ficar de pé e tirar as roupas, e em algum lugar de um passado terreno, lembrei-me de ter visto aquele seu rosto antes, aquela obediência e medo. Aconteceu como eu sabia que iria acontecer, mais cedo ou mais tarde. Ela arrastou-se para dentro dos meus braços e eu ri de suas lágrimas. Quando tudo passou, o sonho de flutuar na direção de estrelas que explodiam, e a carne voltou a reter meu sangue em seus canais prosaicos, quando o quarto retornou, o quarto sujo e sórdido, o teto vazio sem sentido, o mundo cansado e desperdiçao, nada senti a não ser o velho sentimento de culpa, a sensação de crime e violação, o pecado da destruição."
Anais Nïn

02 May 2006

i found a reason
(to my V)

Meu barco navega sozinho por rumos que desconheço, às vezes me sinto à deriva, às vezes me tomo em remos. Quando encontro outras embarcações é quase sempre um acidente daqueles leves, mas com tons de catástrofe. No meu barco todos os dias são iguais, sempre as mesmas xícaras de café, as mesmas lágrimas, os mesmos sorrisos. Minha jangada é pequena, mas entra quem quer, sai quem quer, desde que me deixe um souvenir, uma lembrança qualquer da presença. Todo mundo faz de mim o que quer, porque eu não ligo. Quando me sinto suja tomo um banho de mar, olho as estrelas nesse vai e vem que às vezes enjoa. Eu vivo no mar porque ele balança, e os dias de calmaria me sufocam que quase não aguento. Já encalhei num banco de areia e vivi lá, como se fosse birmanesa. Evito parar em ilhas, esse barco faz uma viagem só, e ela não tem fim.
(Não querer arrumar para não revirar memórias. Mas não se sinta mal, meu ex-amor, não é você, choro por lembrar que um dia amei sem estar bêbada.)
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Mas você não pode beijar uma idéia,
Você não pode tocá-la ou abraçá-la.
As idéias não podem pedir.
Eles não sentem dor.
Elas não podem amar.
Não foi uma idéia que eu perdi, mas um homem.
Um homem que me fez lembrar do dia 5 de novembro.
Um homem do que eu nunca esquecerei.
...
- Quem é você? Quem?
- Quem é a performance e a pergunta correta seria: "o que sou eu?"
E o que eu sou é um homem com uma máscara.
- Eu já vejo isso.
- Claro que sim. Eu não questiono seus poderes de observação.
Eu só pus ênfase dentro do paradoxo de lhe perguntar, para um homem mascarado quem ele é?