06 August 2010

Não sei se foi a solidão, ou o desdém, ou qualquer coisa parecida com isso. Mas quando fui tentar o que achava ser correto li esse trecho de um livro do Aldous Huxley e vi o que sempre tinha meio que negado para mim mesma. A solidão intrínseca ao ser-humano, mesmo quando negamos isso (você pode querer ser um monstro, mas é o que é, humano). Não sei se ao ler isso me senti bem ou mal, mas fez todo sentido do mundo, algo que eu precisava naquela época.

"Vivemos, agimos e reagimos uns com os outros; mas sempre, e sob quaisquer circunstâncias, existimos a sós. Os mártires penetram na arena de mãos dadas; mas são crucificados sozinhos. Abraçados, os amantes buscam desesperadamente fundir seus êxtases isolados em uma única autotranscendência, debalde. Por sua própria natureza, cada espírito, em sua prisão corpórea está condenado a sofrer e gozar em solidão. Sensações, sentimentos, concepções, fantasias - tudo isso são coisas privadas e, a não ser através de símbolos, e indiretamente, não podem ser transmitidos. Podemos acumular informações sobre experiências, mas nunca as próprias experiências. Da família à nação, cada grupo humano é uma sociedade de universos insulares. Muitos desses universos são suficientemente semelhantes uns aos outros para permitir entre eles uma compreensão por dedução, ou mesmo por mútua projeção de percepção. Assim, recordando nossos próprios infortúnios e humilhações podemos nos condoer de outras pessoas em circunstâncias análogas; somos até capazes de nos pormos em seu lugar (sempre, evidentemente, em sentido figurado). Mas em certos casos a ligação entre esses universos é incompleta, ou mesmo inexistente. A mente é o seu campo, porém os lugares ocupados pelo insano e pelo gênio são tão diferentes daqueles onde vivem o homem e a mulher comuns que há pouco ou nenhum ponto de contato na memória de cada um para servir de base à compreensão ou a ligação entre eles. Falam, mas não se entendem. As coisas e fatos que símbolos se referem pertencem a reinos de experiências que se excluem mutuamente.
Contemplarmo-nos do mesmo modo pelo qual os outros nos vêem é uma das mais confortadoras dádivas. E não menos importante é o dom de vermos os outros tal como eles mesmo se encaram. Mas e se esses outros pertencerem a uma espécie diferente e habitarem um universo inteiramente estranho? Assim, como poderá o indivíduo, mentalmente são, sentir o que realmente sente o insano? Ou, na iminência de ser reencarnado na pessoa de um sonhador, um médium ou um gênio musical, como poderíamos algum dia visitar os mundos que para Blake, Swedenborg ou Johann Sebastian Bach eram seus lares? E como poderá alguém, que esteja nos limites extremos do ectomorfismo e da cerebrotonia, pôr-se no lugar de outrem que ocupa o limite oposto do endomorfismo e da viscerotonia ou (a não ser dentro de certas áreas restritas) compartilhar dos sentimentos de um terceiro que se situe no campo do mesomorfismo e da somatotonia? Para o behaviorista inflexível, tais proposições – suponho eu – são desprovidas de sentido. Mas para aqueles que aceitam, do ponto de vista teórico, aquilo que, na pratica, sabem ser verdade – isto é, que a experiência possui dois aspectos, um externo e outro interno -, os problemas apresentados são reais e tanto mais sérios por serem, alguns, inteiramente insolúveis, e outros só poderem ser resolvidos em circunstâncias excepcionais e por métodos que não se acham ao alcance de qualquer um. É, pois, quase certo que jamais poderei saber o que sentem sir John Falstaff ou Joe Louis. Por outro lado, sempre me pareceu possível que, por meio do hipnotismo, do auto-hipnotismo, da meditação sistemática, ou ainda pela ação de uma droga apropriada, eu pudesse modificar de tal forma minha percepção normal que fosse capaz de compreender, por mim mesmo, a linguagem do visionário, do médium e até do místico."


Aquela época foi a pior, e melhor, da minha vida. Morar só e onde não tinha nada e ninguém, além da esperança e eu mesma. Até hoje me pergunto como sobrevivi, e dentre os motivos você não fez parte.
E descobrir isso da maneira brutal, que estamos só mesmo que a mentira de não estar seja forte, foi o que me fez aguentar tanto.






ps.: "As Portas da Percepção (no original em inglês, The Doors of Perception), um livro de 1954, escrito por Aldous Huxley, onde o autor pormenoriza as suas experiências alucinatórias quando tomou mescalina. O título provém de uma citação de William Blake:
"Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito."

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