06 March 2007

A última carta para alguém distante


Olá querido, quanto tempo, saudades;

As coisas andam se movimentando. Mas acabei voltando para um pedaço do passado onde encontrei sua lembrança. Sempre se sabe quando na verdade as coisas na vida não são para dar certo. Ou certas coisas. Mas queria imensamente que dessem. Ver essas coisas se degradando aos poucos sem poder fazer muita coisa - o que fazer em caso de mortes prematuras, onde já se sabia o que iria acontecer?

Morreu, há tempos. Na verdade nem deveria ter nascido, não como nasceu: prematura e orfã, coitada. Lembro dela roxa na incubadora, e das minhas esperança que dessa vez, talvez, não morresse; porque isso sempre dói demais. Lembro do seu descaso e das poucas vezes que você se atreveu a olhar para ela: aquela paixão frágil, que tentei proteger na palma das minhas mãos, o medo estampado nos teus olhos.

Não há motivos, mas há a vontade. De chorar, ser consolada. Não há ombros, não existem mãos estendidas. Mas disso também já deveria saber, se acostumar. De tantos ferimentos ainda há espaço para mais alguns. Cicatrizes que endurecem o coração, que já parece uma colcha velha de retalhos que ninguém mais quer, nem os necessitados. Pensei em comprar um novo, daqueles de plástico, transparentes, última geração, frios. Talvez com um desses da próxima vez ninguém consiga se aproximar o bastante para que dali nasça alguma coisa nati-morta.

Sim querido, depois de ti houveram outros, há ainda. Sim querido, continua machucando. Sim, continua sangrando. Sempre. Mesmo de longe você me conhece o bastante para saber dessa minha habilidade de escolher a dedo as melhores formas e os piores conteúdos; as melhores palavras e as piores intenções. Oh sim, continuo afundanda no drama, na inconsistência, nas esperanças, nos sonhos não-compartilhados, no medo, medo, medo. Sim meu eterno, nada mudou depois de ti, apenas você mesmo.

Posso falar a verdade agora? Nada é como falei. Ainda sou dada a esses pequenos desvios da verdade, para depois entregar minhas mentiras em busca de uma punição que julgo necessária. Ainda continuo sendo a pecadora que se apaixonou pelas penitências, e que sempre peca para ser castigada. As coisas mudaram, você já desbotou de mim, de dentro de mim e agora permanece latente. Agora há algo muito mais forte e denso. Uma paixão na incubadora lutando para não morrer também, e dessa vez gostaria tanto que não morresse... Mas que igualmente machuca e magoa, pisa e destrata, para depois cuidar e se desculpar. Mode e assopra. Estamos na UTI, mas ela continua a se debater, a gritar e depois calar. Entra em frênesi, depois volta ao coma. Melhora, dá uma volta lá fora e decaí.
Sim, nesse teatro em que você saiu de cena mudaram os personagens, mas nunca o enredo.

Beijos, cuide-se, agasalhe-se. O inverno pode estar acabando, mas o frio vem de dentro.
Saudades, mas não apareça mais.

Da não mais sua,
Marian.

1 comment:

Anonymous said...

o que eu estava procurando, obrigado