29 December 2006

espero que nunca me entenda, porque se compreenderes estarás tão desesperado quanto eu

advérbio de intensidade terminado em mente

Devia ser umas onze horas. Ligou o chuveiro e tirou a roupa bem devagar para que a água tivesse tempo de esquentar. Entrou de uma só vez viu a tinta vermelha dos seus cabelos escorrendo ainda, pelo corpo. O mundo é mesmo uma merda. Ela não queria tomar banho, só ficar ali. Sentou no chão e a água começou a bater absurdamente quente nos seus joelhos, deixando-os vermelhos. Masoquista. Como as músicas que ouvia para ficar mais triste. Como roer as unhas até sair sangue. Unhas. Gostava delas carmim como estavam porque parecia mais puta, logo mais despudorada e confiante e moderna e confiante e feliz. As putas deviam ser felizes. Desespero. Procurou algum resquício de ilusão. Gostava de se iludir, de sentir-se falsamente protegida por alguém que pouco se importava com a sua existência. Existência. Se tivesse uma banheira, cortaria os pulsos e morreria afogada na água vermelha, como naquele filme. Então começou a rir sem controle, porque na película (filmes ficam mais bonitos se chamados de películas) a menina suicidava-se ao som de alguma coisa da mariah carey. Ou seria whitney huston? Estúpido, not for her. Ela queria morrer com estilo. Trilha sonora para sua morte poética? Edith piaf. Então pensou nas manchetes dos jornais baratos: jovem desiludida corta os pulsos em uma banheira ouvindo edith piaf. Precisava de um papel para escrever um bilhete para alguém. E não podia ser um bilhete qualquer, mas sim, um como aquele do almodóvar: 'espero que nunca me entenda, porque se compreenderes estarás tão desesperado quanto eu'. Alguma coisa assim, não lembrava direito. E tinha aquela cena com vinil, ne me quite pas e uma frase qualquer bonita. Seus joelhos estavam ardendo. Desligou o chuveiro e saiu. Não tinha uma banheira.

1 comment:

Fabrício Caetano Rios said...

Não se preocupe em entender!!!
viver ultrapassa qualquer entendimento!!!

excelente blogger!!!!